texto e edição: Cilmara Bedaque
fotos: Cilmara Bedaque e divulgação
transcrição: Luciana Moraes
Dia desses marquei um encontro com Marcelo Carneiro, dono da Cervejaria Colorado, para falarmos sobre ele, o começo da fábrica e os planos para 2015. O papo correu cariocamente amigável e solto como se nos conhecêssemos há muito tempo. Vamos saber um pouco da história de uma das maiores micro cervejarias do Brasil.
…Marcelo – Eu queria comparar o que está acontecendo com a cerveja artesanal com o que aconteceu com a música, com o rock, há alguns anos atrás.
A música hoje em dia se financiou e virou um negócio. É uma coisa amorfa e não tem um espaço de contestação como tinha antigamente. Por outro lado, o mundo da cerveja artesanal está virando uma espécie de um rock engarrafado.
Cilmara – É engraçado você falar isso porque o Lupulinas era feito pela Vange e por mim e sempre nos atraiu, quando a gente começou a entrar nesse universo de cerveja artesanal, uma espécie de clima de ‘rock de garagem’ que a gente viveu nos anos 80. Sentimos de cara essa similaridade. Os “grandes”, os que continuaram alternativos…Tem um monte de coisas que a gente pode colocar como muito parecidas…
Marcelo – É verdade. É totalmente essa briga contra o mainstream, contra a mesmice. Com as vaciladas que os artistas também davam, antigamente.
Cilmara – Conta para o nosso leitor, que já deve reconhecer a Colorado nas prateleiras dos supermercados e dos armazéns especializados, como você teve a idéia de montar uma cervejaria e como foram os primeiros anos. A Colorado é de 1995, né?
Marcelo – Isso, 95. Vinte anos já! Eu nem sabia o que eu estava fazendo direito, na verdade. Quem botou a gente nessa onda foi o Cesáreo Melo Franco, esse meu amigo que fez a comparação há poucos dias no Facebook dos dois movimentos do rock e da cerveja e eu achei que era muito pertinente a história. Mas eu também não sabia que estava fazendo rock. Eu achei que estava fazendo uma coisa muito fácil, tomar cerveja… Fui para a Califórnia, eu me lembro da primeira Indian Pale Ale que eu tomei: a Blind Pig, Porco Cego. Achei o nome muito engraçado e essa cerveja até hoje existe. Fui lá e comecei em Ribeirão num modelo muito diferente do que estava sendo feito no Brasil. Na época, estavam abrindo várias cervejarias fazendo cerveja Pilsen, filtrada e não filtrada, ou cerveja Bock, não sei que e tal. Eu vim e trouxe todos aqueles sabores diferentes, influenciado pelo que estava acontecendo lá fora.
Cilmara – Na Califórnia principalmente.
Marcelo – Isso. Há 19 anos eu já tinha Indian Pale Ale, eu já tinha Red Ale, eu já tinha uma Stout, eu tinha uma California Steam… Eu tinha uns estilos totalmente esquisitos e usava às vezes uns lúpulos que hoje nem são tão esquisitos, mas na época eram desconhecidos por aqui. E Ribeirão Preto ainda era interior, sem informação, todo mundo achava aquilo muito esquisito, muito estranho. Tinha uma fábrica grande com uma tradição grande lá, que era a fabrica da Antártica, o orgulho municipal.
Cilmara – E você escolheu Ribeirão por quê?
Marcelo – Eu escolhi Ribeirão porque eu ia pra lá, meu pai tinha uma terrinha lá, eu passava minhas férias lá, eu gostava da vida do interior
Cilmara – Não foi nada que te levou da fama da cerveja lá, nada…
Marcelo – Eu era diferente, eu era um carioca lá, era novo, tinha vinte anos, nossa, eu agradava…
Cilmara – Carioca em Ribeirão (risos). No início a Colorado era uma empresa familiar também…
Marcelo – Totalmente, era eu e minhas irmãs
Cilmara – E aos poucos você se tornou o único dono…
Marcelo – Isso, porque eu vi que fiquei totalmente infectado com o vírus da cerveja, que não é a cerveja, é mais que a cerveja. É um produto muito forte a cerveja. Ela une os povos. Se você pensar que construíram as pirâmides pagando os funcionários com cerveja…
Cilmara – É uma das bebidas mais antigas da humanidade, está por trás de tudo.
Marcelo – Isso, ela é uma das mais antigas. Na guerra, nas revoluções, sempre tinha a ração de cerveja para os soldados.
Cilmara (se entusiasmando risos) – Na arte. O que seria do pintor sem cerveja!
Marcelo (rindo muito) – Tem pintores regados a cerveja! Tem Bruegel! A cerveja é uma coisa muito forte senão ela não estaria na história da humanidade há oito mil anos! E ela surgiu espontaneamente em vários lugares do mundo! E a gente tem uma pegada, só um olhar europeu, mas os índios faziam a sua cerveja, os chineses faziam cervejas, têm uma história só deles. Nós no Brasil temos uma história só nossa, os índios faziam cerveja de mandioca e, infelizmente, não deixaram vestígio escrito… Essas bebidas fermentadas estão junto da humanidade há muito tempo, alguma razão evolutiva tem para isso acontecer.
Cilmara – Quando você incorporou nos rótulos que estão agora no mercado os produtos nacionais, a mandioca, o mel, a rapadura, tudo que você usa nos seus rótulos fixos, você quis de certa maneira conseguir fazer uma cerveja brasileira?
Marcelo – Isso. Foi assim “bacana, até agora eu copiei, eu aprendi bastante, tal. Agora chega, vamos fazer o nosso.” Porque é a cara do Brasil, nós também somos um país de imigração, todos nós temos um pé na Europa, e a partir de certo momento, a gente decidiu ser brasileiro aqui. A Colorado decidiu “vamos fazer cerveja com o que a gente tem em volta”. Os EUA fizeram assim e a Europa fez assim também. Os belgas fazem cerveja com açúcar de beterraba porque lá tem beterraba, os alemães têm a lei de pureza porque lá tem muito malte e lúpulo. Os ingleses fazem a cerveja deles muito maltada porque o malte deles tem algumas características e a gente tem que fazer a nossa cerveja com a nossa cara. A partir deste momento, em cada produto que a gente faz, tem um produto brasileiro, uma matéria prima local.
Cilmara – Você falou em fazer uma cerveja com a nossa cara. A Colorado tem uma das maiores marcas do mercado. A programação visual é muito boa, aquele ursinho é um sucesso quando aparece nas feiras e festivais, todo mundo quer tirar uma foto com aquele ursinho, que é um ursão na verdade… Eu queria que você falasse um pouco disso, como foi o desenvolvimento da marca e os rótulos, quem fez etc.
Marcelo – Quem fez foi o Randy Mosher.
Cilmara – Que é um dos maiores designers de rotulo do mundo.
Marcelo – E que eu descobri por acaso na internet. Eu já tinha lido os livros dele e estava falando com ele na internet sem me tocar que ele era o Randy que eu lia. O que foi uma vergonha porque eu quis ensinar padre nosso ao vigário, tentando explicar o que era uma India Pale Ale para ele… Mas aí…
Cilmara – Você encomendou o desenvolvimento da marca?
Marcelo – Dos rótulos. Falei pra ele que tinha essa idéia de colocar as coisas brasileiras, ele me deu outras idéias. Ajudou no desenvolvimento da rapadura me perguntando: “por que você não usa aquele açúcar brasileiro?”
Cilmara – Aaaahhh, ele entrou até no desenvolvimento da cerveja?
Marcelo – Sim, foi fundamental. Ele falou “aquele açúcar brasileiro” e eu “pô, qual açúcar brasileiro?” “rap rap rap.. rapadura!” “rapadura, cara, porra, genial! é mesmo!” (risos) Hoje um dos orgulhos da Colorado é que a gente comprava rapadura de 30 em 30 kg e hoje compramos 1ton de rapadura da mesma família, do mercadão municipal. A gente não compra de uma grande indústria, a Colorado é super ligada nessas coisas. A Colorado ajuda também a sustentar um cinema, que é o Cineclube Cauim de Ribeirão Preto, um cinema de uma tela de 35m, que é um cinema que tem sessão de graça pra criança, quatro vezes por dia, pra rede municipal de escolas da região. Este é um lado desconhecido da Colorado, que a gente nem se jacta muito disso.
Cilmara – Mas faz parte dos mandamentos do que seria a cultura da cerveja artesanal, né? A valorização da cultura local, do produtor local, os princípios básicos mesmo desse movimento, porque é um movimento.
Marcelo – Exatamente. A gente faz parte desse movimento. O Cineclube Cauim já existia antes da gente. Deixar isso claro, o Cauim é uma organização que existe em Ribeirão Preto há 25 anos. Eles têm um bar na porta do cineclube, tem vários movimentos culturais que vão lá, do cinema brasileiro, geralmente tem várias estréias lá, e os diretores debatem com o público depois do filme assistido.
Cilmara – Vange e eu fomos à Dogfish Head, no estado americano de Delaware, e em volta, na cidade toda, eles promovem peça de teatro, cinema, feira, showzinho, gente famosa em um palquinho bem pequeninho dentro do bar. Um clima super maneiro assim, de cultura e produção local.
Marcelo – É por isso que a cerveja é o rock de hoje em dia, é por isso que tem que haver as novidades, a gente não pode deixar vulgarizar. A cerveja artesanal tem que ter essa função social.
Cilmara – Eu sei que a Colorado sempre apoiou as Acervas e os paneleiros. É essa idéia de apoio geral de toda a teoria que existe nesse movimento
Marcelo – Em novembro, durante o Mundial de La Bière, a gente tava lá no Rio, mas mandamos vários barris vazios pro evento que estava tendo na Bahia, dos cervejeiros caseiros, para serem cheios em outras cervejarias, para poder ter cerveja de micro no evento dos nanos. E agora a gente tá marcando no aniversário da Colorado fazer outro encontro de caseiros e micreiros cozinhando juntos.
Cilmara – Legal. Você falou que compra quantas toneladas de rapadura atualmente?
Marcelo – Uma tonelada.
Cilmara – Quantos litros você produz hoje e quais são os planos pra 2015 porque eu sei que tem planos de expansão da fábrica, aí na mesma pergunta, tudo junto, hoje a empresa não é mais familiar, você deu uma profissionalizada na empresa. Fala sobre tudo isso, Marcelo…
E Marcelo vai falar. No próximo post… Não perca.
(continua no próximo post)
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- Marcelo Carneiro
Marcelo Carneiro, da Cervejaria Colorado em Ribeir‹o Preto, Brasil, tera-feira, 17 de novembro de 2009.
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- Urso da Colorado e Cilmara Bedaque