O Projeto Cerveja em Dupla é uma iniciativa da Acerva Paulista (Associação dos Cervejeiros Artesanais Paulistas) e do bar Empório Alto dos Pinheiros (EAP) que convida dois cervejeiros para inventar uma receita e fazer uma brassagem na calçada do bar. O clima é sempre divertido pela situação surpreendente e didático porque todos frequentadores podem chegar perto e ver o que está acontecendo.
Mas o que é uma brassagem? A brassagem nada mais é do que o cozimento do malte para extrair os açúcares necessários à fermentação da cerveja. Tem que ser feito o controle da temperatura do cozimento para uma melhor extração dos açúcares do malte. O grão moído é misturado com água quente num recipiente grande. Neste recipiente, o grão e a água são misturados para criar um mosto de cereais. Este líquido rico em açúcar ou mosto é então filtrado através da parte inferior do recipiente num processo conhecido como drenagem. Mas vamos conversar com a dupla convidada de novembro: Maíra Kimura, sócia da 2Cabeças e Fernanda Ueno, da Colorado.
Lupulinas – Qual estilo de cerveja vocês vão produzir?
Maíra – Uma Black Saison com Umê, que é uma frutinha japonesa…
Lupulinas – Que é a do umeboshi!
Maíra – Sim, que é a do Umeboshi!
(Umeboshi é uma espécie de ameixa japonesa em conserva muito ácida e salgada. É usado na cozinha e a ela se atribui vários poderes curativos)
Lupulinas – Descrevam para o leitor do nosso blog o processo que foi feito até agora e o que vem na seqüência, para que essa cerveja seja consumida.
Fernanda – A gente chegou aqui e já estavam arrumados o fogão e as panelas e já tinham moído o malte.
Colocamos a quantidade certa de água para esquentar e aí, quando chegou na temperatura adequada, a gente acrescentou o malte e ficou cozinhando por mais ou menos uma hora. Depois começamos a recirculação. No início o mosto está turvo, então precisa fazer a recirculação.
(Para fazer a recirculação, vamos extrair parte do líquido pela válvula extratora na parte inferior da panela e devolvê-lo à panela pela parte de cima, tentando mexer o mínimo possível na camada de malte. Assim esta camada de malte vai se transformar em um filtro natural, onde as cascas do malte vão ajudar no processo de contenção das partículas do líquido.)
Depois então fizemos a filtração do mosto primário e depois a filtração do mosto secundário, o enxágüe. Então colocamos em outra panela para ferver. Durante a fervura, adicionamos o lúpulo e, no final da fervura, o lúpulo de aroma, um lúpulo japonês chamado Sorachi Ace e também o Umê, ambos nos 5 minutos finais da fervura.
Lupulinas – Maíra, fala pra mim o que vai ser feito depois disso e especifica o tipo da cerveja, teor alcoólico, etc
Maíra – A gente vai agora resfriar o mosto com o uso de um chiller (máquina frigorífica). Colocamos o mosto ali dentro e vamos passando água gelada para resfriar até atingir a temperatura ideal para inocular a levedura. Se inoculamos a levedura com o mosto nessa temperatura, a levedura, que é um ser vivo, morre. Temos que baixar para menos de 30 graus. A levedura que vamos usar é específica para esse estilo de cerveja que queremos produzir, a Saison. Ela geralmente é clara, mas a gente fez uma escura. Para isso usamos uma fração do malte torrado. Portanto vai sair uma Saison Black com Umê que vai dar um toque bem ácido. Vai ser quase uma Sour. Queremos que ela fique bem seca.
Lupulinas – E quem teve a idéia de fazer essa cerveja?
Fernanda – A gente que pensou aqui.
Lupulinas – E ela nunca foi feita antes?
Maíra – Não, nunca.
Lupulinas – E depois desta brassagem como o processo continua?
Fernanda – Depois daqui, vamos resfriar, colocar a levedura e vai ficar um tempo fermentando. Pelo menos uma semana, mais de uma semana talvez. A gente quer que ela fique bem seca, tire todo o açúcar. Depois vamos colocar para maturar e na próxima Brassagem em Dupla, aqui no EAP, com outros dois cervejeiros convidados e a galera vamos beber. Fizemos 20 litros que vão ser engarrafados em garrafas de 500 ml.
Lupulinas – Maíra, é a primeira vez que você faz uma brassagem na rua?
Maíra – É, na rua é.
Lupulinas – E você, Fernanda?
Fernanda – Também. Assim na calçada, com todo mundo passando… É! Gostei!
Lupulinas – Fernanda, qual a sua experiência? O que você fez antes?
Fernanda – Eu comecei a fazer cerveja em casa em 2009, faz bastante tempo. Agora eu trabalho diretamente na produção na Colorado. Mas continuo na panelinha até hoje, eu adoro. A gente tem uma cozinha de 50 litros na Colorado para testes e quatro tanquinhos. Meus tanquinhos estão sempre cheios porque eu gosto bastante. É a parte que eu acho mais interessante fazer, receita nova, testar ingrediente novo…
Lupulinas – E você já é uma mestra cervejeira?
Fernanda – Ainda não, estou indo agora em janeiro para escola, em Daves, na California. Vou ficar 6 meses lá para fazer o curso de mestre. Em julho serei!
Lupulinas – Eu tô querendo implantar uma nova nomenclatura, a MestrA Cervejeira! (risas)
Lupulinas – E você, Maíra? Fala um pouco pros nossos leitores quem é você.
Maíra – Eu não trabalhava com cerveja. Minha formação acadêmica é de publicitária. Aí quando fui morar na Europa eu queria fazer uma coisa diferente, eu sempre gostei de cerveja e fui estudar na Inglaterra. Fiz um curso lá de quatro meses. Não sou mestrA-cervejeira, fiz um curso técnico. E eu me apaixonei, comecei a fazer um monte de cursos. Apareceu um curso de sommelier, eu fiz também. Aí quando eu voltei para cá, fiz o curso do SENAI também, de Tecnologia Avançada Cervejeira e to aí.
Lupulinas – Qual a sua função na 2Cabeças?
Maíra – Eu sou proprietária, uma das sócias. E sou cervejeira também.
Lupulinas – Você não fica com o departamento de publicidade da 2Cabeças?
Maíra – Na verdade a gente é muito pequeno, então todo mundo faz tudo.
Agora é esperar o resultado desta especialíssima Saison Black com Umê que vai receber um rótulo bem legas desenvolvido por Alexandre Nani, do ICBDesign.
PS – gracias a Luciana Moraes pela transcrição da entrevista
Fotos de Cilmara Bedaque