Cerveja também é colecionável

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texto e fotos: Cilmara Bedaque e divulgação

A demanda por cervejas artesanais vem crescendo em todo o mundo e, junto a ela, um mercado de acessórios e memorabilia vem à tona. Está sendo lançado aqui no Brasil o Beerflakes, uma espécie de clube ligado a todo este comércio que faz brilhar os olhinhos dos aficcionados. Quem não gosta de brincar que se apresente.

Cilmara Bedaque – O que é o Beerflakes?
Alexander Michelbach – Beerflakes é um serviço de assinatura que irá entregar mensalmente uma caixa com uma seleção de produtos relacionados ao universo cervejeiro. Camisetas, copos, taças, abridores, placas, meias e livros são alguns dos itens que estarão presentes. Cada caixa terá um tema, que orientará a escolha dos artigos e dará pistas ao assinantes do que esta por vir.

Cilmara Bedaque – No que o Beerflakes difere de outros clubes de cerveja?
Alexander Michelbach – Diferentemente dos clubes de cerveja, o foco principal são os artigos que possuem alguma relação à cultura cervejeira, como os relacionados acima. Alguns clubes enviam uma taça ou algum produto além das cervejas, no caso do BeerFlakes será basicamente o inverso, enviaremos os produtos selecionados e em casos especiais, como em lançamentos ou eventos poderemos incluir uma cerveja, mas não será algo fixo.

Cilmara Bedaque – Como faz para ser sócio do Beerflakes e quanto custará ao mês?
Alexander Michelbach – Estamos na fase de pré‐lançamento e nos bastidores em contato com dezenas de fornecedores no Brasil e exterior, para expandir nossa base de fornecimento. Inicialmente teremos um número limitado de assinaturas disponíveis, para oferecer a melhor experiência possível aos membros. Para ficar informado sobre lançamento, valores e o primeiro tema, os interessados podem acessar nosso site www.beer‐flakes.com e realizar o pré‐cadastramento , algo simples e rápido. (Após esta entrevista ser realizada algumas coisas foram definidas: o tema de lançamento será I Love Lúpulo, a mensalidade R$82,90 e um plano trimestral com um prêmio adicional.)

Cilmara Bedaque – E se eu, como associada, não gostar do material selecionado?
Alexander Michelbach – Teremos disponível no site, na área de suporte/faq, as condições para troca assim como outros sites de e‐commerce e assinatura, cada caso será analisado individualmente. Planejamos ainda, caso seja também confirmado o interesse pelos assinantes, oferecer eventos de troca, onde assinantes poderão trocar artigos cervejeiros, que vieram na caixa ou não, além de criar um network durante a desgustação de boas cervejas.

Cilmara Bedaque – Você tem, como exemplo, algum pacote que pode ser oferecido?
Alexander Michelbach – Cada edição do BeerFlakes conterá de 4 a 6 diferentes produtos, o que pretendemos aumentar com o tempo à partir do aumento do número de assinantes. Materiais de divulgação como cupons de desconto, ingressos, não serão considerados produtos como uma camiseta ou taça. Estamos no momento finalizando as negociações de alguns artigos, mas podemos já informar que serão itens que muitos apaixonados por cerveja gostariam de ter, mesmo porque esta é uma de nossas premissas, enviar somente itens que nós também gostaríamos de receber.

Cilmara Bedaque – Você já tem experiência com produtos ligados à cerveja. Fale sobre o Brewce e o Beertone.
Alexander Michelbach – Depois do lançamento de alguns produtos voltados ao meio cervejeiro, como o Brewce Hophead, e inicialmente o Guia Beertone, que já estão no mercado há algum tempo, notamos que existia uma lacuna na utilização deste modelo de negócio, clube de assinaturas, voltada para os produtos cervejeiros e depois de meses em planejamento decidimos colocar em prática. Trabalhamos de forma constante nos últimos meses no desenvolvimento do BeerFlakes, com pesquisas de produtos, contato de fornecedores no Brasil e Exterior para oferecer tudo isso aos assinantes. O mercado de cerveja é algo muito dinâmico, diariamente lançamentos são apresentados e com o BeerFlakes iremos manter esta dinâmica e levar ao público o que há de melhor em produtos da cultura cervejeira, todos os meses. Muita coisa boa está por vir.

O Lupulinas como apreciador de gadgets ligados à cerveja deseja boa sorte e longa vida ao BeerFlakes.

 

 

Marcelo Carneiro & Colorado: um papo com o dono da cerveja do ursinho (parte dois)

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texto e edição: Cilmara Bedaque

fotos: Cilmara Bedaque e Marcelo Carneiro

Vamos à segunda parte da entrevista que fiz com Marcelo Carneiro, dono da Cervejaria Colorado, conhecida por todos pelo mascote do ursinho. Não leia esta segunda parte sem ter lido a primeira para captar a fluidez do papo.
Cilmara – Você falou que compra quantas toneladas de rapadura atualmente?
Marcelo – Uma tonelada.

Cilmara – Quantos litros você produz hoje e quais são os planos pra 2015 porque eu sei que você está expandindo a fábrica… Aí na mesma pergunta, tudo junto, hoje a empresa não é mais familiar, você deu uma profissionalizada na empresa. Fala sobre tudo isso, Marcelo…

Marcelo – A Colorado faz de 150 a 200 mil litros num mês bom. Nós terceirizamos a produção em mais duas indústrias, a Cevada Pura e a Lund. Tudo isso tem uma história bacana e eu sou orgulhoso dela. Por que eu terceirizo na Cevada Pura? O Alexandre, dono da Cevada Pura, foi o primeiro estagiário da Colorado. A Colorado é também uma incubadora de outras empresas. O Rodrigo, da Invicta, começou como motorista da Colorado. Foi prático, cervejeiro da Colorado, hoje tem sua própria cervejaria. A Lund é uma cervejaria bem pequena de Ribeirão, tem os tanques que a gente precisa pra algumas tiragens e a gente faz com eles, também porque são da nossa cidade. Em Ribeirão Preto a gente tem uma cena cervejeira muito bacana porque todo mundo se ajuda. Às vezes falta fermento, ou falta garrafa e a gente tenta sempre, dentro do possível, se ajudar um ao outro. Estamos sempre nos encontrando, bebendo juntos. É muito importante que nas outras cenas cervejeiras, porque a gente tem outros focos, tem Curitiba, tem Minas Gerais, é importante haver esse entendimento. E eu acho que isso está acontecendo nas outras cidades do país.

Quanto a se profissionalizar, não tem jeito, gente, eu fico falando isso. Ficamos muito contentes de ganhar medalha, mas mais bacana é você conseguir fazer uma cerveja com repetibilidade todo o dia, entregar, pagar os seus impostos… Isso é uma coisa dura de dizer porque é muito fácil ficar falando que vivemos num país injusto… Eu comecei a me rebelar contra os impostos, mas eu vi que quando você não paga, você não tem direito nenhum. Então comecei aos trancos e barrancos a pagar o meu, eu meio que fui até voluntário para colocar o SICOBE na minha fábrica e isso me custou muito, mas por outro lado me fez aprender, me obrigou a me profissionalizar, porque quando você tem o SICOBE você está pagando imposto até pela garrafa quebrada, por todos os seus amadorismos.

dica para o leitor: SICOBE é um sistema que a Receita Federal coloca na fábrica que fotografa cada garrafa e manda para a própria Receita online. É um sistema de controle que a indústria de armas no Brasil não tem.

Marcelo – Eu achava uma coisa totalmente orwelliana, mas se for um instrumento de justiça não me incomoda ter. A gente foi falar com o governo, quando eu era presidente da ABRACERVA (Associação Brasileira de Cerveja Artesanal), fui falar pelos menores e pelos maiores que eu. Estávamos conversando e o governo foi bem claro: se vocês não se legalizarem não vai ter conversa, não vai ter diminuição de imposto, vocês precisam ser vistos como pessoas sérias. Aí a gente propôs para eles um sistema em que o produtor que faz até 100 mil litros de cerveja vai ter um selo na garrafa, igual tem a cachaça e o vinho. Até 100 mil litros, que é a grande maioria do mercado. E os maiores vão ter o SICOBE.

Cilmara – Essa é a pergunta que eu ia fazer para você na seqüência. O mercado de artesanal está crescendo em todo o mundo. Agora, eu sei também que em vários lugares, sei mais dos Estados Unidos, existe uma isenção de impostos fantástica até o primeiro milhão de litros.

Marcelo – Lá é muito mais do que isso. O primeiro milhão de litros foi o que a gente conseguiu aqui. O primeiro milhão tem 10% de abatimento, o que ainda é pouco. Lá eles têm proteção até 3% do mercado e ninguém ainda chegou em 3%. A Samuel Adams, que é a maior micro cervejaria americana, tem 2 virgula alguma coisa do mercado. E é a maior cervejaria puramente americana. Isso é para mostrar que todos os governos estão preocupados com esse fenômeno da concentração do mercado cervejeiro. Por quê? Eu não quero assim criticar só a desigualdade, eu não sou contra a desigualdade desde que ela sirva a um bem comum. Essa fala não é minha, é do Thomas Piketty, esse cara que escreveu aí o “Capital no século 21”. Tem que haver um espaço para a livre iniciativa. Porque senão é ruim para o agricultor que está lá embaixo, é ruim para a grande indústria também porque ela acaba sucumbindo diante do peso dela mesma. Ela acaba mal vista. Ela é culpada de todos os males do álcool, ela não pode produzir, por exemplo, todos esses bens culturais que as pequenas podem vir a criar. A cerveja tem que ser equiparada ou fazer um trabalho melhor do que o do vinho. Eu acho que o vinho é mais bem visto como produto. Nós, pequenos, temos que trabalhar também nessa parte de responsabilidade social e alçar bandeiras maiores, como mobilidade urbana e embates intelectuais maiores do que a grande indústria.

Cilmara – Você foi o primeiro presidente da ABRACERVA que, finalmente conseguiu se formar. Muito se lutou para que ela conseguisse existir até.
Marcelo – Isso
Cilmara – Vocês chegaram a Brasília e começaram a argumentar as leis que seriam aprovadas ou não. Eu queria que você contasse pra gente qual foi a vitória e qual foi a maior derrota da associação e qual a grande dificuldade que você vê na aprovação das idéias que a associação defende lá dentro do governo

Marcelo – A maior vitória foi, nessa legislação que esta para vir, ser reconhecido finalmente como um animal diferente. Não é possível que o governo não estivesse vendo que no Brasil tem um mercado só com quatro empresas. E as que fazem cerveja especial têm por volta de 1% deste mercado. Aí tem 300 empresas, 100% nacionais, sem motor de banco, que são iniciativa da classe media brasileira, que justamente é o pessoal que montou, ao longo dos últimos anos, e que quer ter acesso. Não quer só consumir, quer produzir também.

Cilmara – Empregam quantas pessoas, Marcelo, você tem essa noção?
Marcelo – Muito mais pessoas por hectolitro do que uma grande cervejaria. Eu não tenho essa noção exata.
Cilmara – Porque é menos automatizada?
Marcelo0 – Exatamente, eu posso falar por mim, eu emprego 70 famílias. Se for extrapolar a Colorado para as grandes, é muito, muito, muito mais. Vai alem da questão do imposto. Vai para a questão da livre escolha do consumidor, o consumidor tem direito de escolher o que quer beber. A classe média tem direito a querer ter a sua indústria. Por que o cara que tem seu dinheirinho pode abrir uma padaria, mas não pode abrir uma cervejaria? Porque há uma legislação que foi desenhada só pros grandes. São exatamente os mesmos ingredientes. Não tem lógica. E somos nós que podemos quebrar a hegemonia que existe no consumo do álcool se a gente trabalhar direito.

Cilmara – E qual foi a maior derrota?
Marcelo – A maior derrota é as pessoas que me perguntam qual é o maior concorrente da Colorado. É o mesmo, é o maior concorrente de todas as pequenas. É a concorrência da ignorância. É as pessoas acharem que a cerveja e uma coisa monolítica, que não tem nada por trás da cerveja, que só tem gente querendo ganhar dinheiro. Que a cerveja não tem história, que a cerveja é uma bebida amarela com um pouco de malte e só gente ambiciosa por detrás. Não, a cerveja tem muita riqueza por trás, a cerveja tem muita história. A cerveja não estaria do lado da humanidade há oito mil anos se não tivesse essa vantagem. Até às pessoas que têm uma objeção religiosa quanto ao consumo, eu queria lembrar a essas pessoas que o primeiro milagre que Jesus Cristo fez foi multiplicar a bebida alcoólica. É lógico que aqui a gente não está defendendo o excesso, existem as famílias que são destruídas pelo excesso de álcool… A gente está defendendo que a cerveja aproxima as pessoas. Mas isso acontece com todas as coisas, às vezes você dá um carro para uma pessoa e ela fica se sentindo a rainha do mundo e atropela outra. Então vamos proibir os carros? Vamos olhar as coisas sob a perspectiva apropriada.
Na Europa, vários mosteiros fazem cerveja e os monges bebem.

Cilmara – Tive o prazer de visitá-los com a Vange, foi ótimo. Inclusive os ciclistas bebem. Era muito engraçado, a gente na Bélgica, em um restaurante de mosteiro, de repente uma turma de ciclistas, todos paramentados, entram, tomam uma tacinha e continuam o passeio de domingo, a viagem que eles estavam fazendo…

Marcelo – A cerveja não iria estar com a gente há tanto tempo se não fizesse bem. Eu li um livro francês que um médico compara todas as causas possíveis de morte em gente que bebe e em gente que é abstêmia. E provava que os abstêmios morrem mais de causas diversas tudo, inclusive, infelicidade, tensão, stress, suicídio, que os que bebem moderadamente.

Cilmara – A Colorado vai crescer em 2015? Vai ter fábrica nova?
Marcelo – Vai ter fábrica nova. Crescer é importante, mas crescer sem perder a ternura. (risos)
Cilmara – vocês vão duplicar a produção? Quais são os números?
Marcelo – Olha eu não sei, porque a gente não tem motor de banco, não sou um grande financista. Vou crescer na medida em que a minha grana der. Eu agora tenho espaço, disso estou gostando muito. Vou ter meu poço de água próprio, estou muito contente com isso, lá em Ribeirão.

Cilmara – Isso é ótimo, porque é uma água boa também, né?
Marcelo – Vem do Aqüífero Guarani direto. Estou numa pegada ecológica também na fábrica. Enfim, estou muito animado porque fiquei muitos anos nesse lugar pequeno, batalhando, muita gente lançando coisa nova e a Colorado ali, grande no nome, mas pequenininha na fábrica e agora esse ano, puf, a gente vai ter espaço de novo!

Cilmara – Pra 2015 então continuam os quatro rótulos fixos, a Indica…
Marcelo – A Appia, a Demoiselle, a Cauim e a Vixnu que agora entrou também nas fixas. A gente vai fazer algumas colaborativas e tal. A Colorado não lança muitos rótulos. Ela tem uma coisa diferente, que ela acha que cada cerveja é como se fosse um filho. Isso é uma filosofia nossa, combinada com o Randy, desde o começo. Ele disse “cada cerveja tem que ter um nome e uma história” e a gente acredita nisso. A gente não lança muito, somos um clássico das cervejarias.
Cilmara (rindo) – São os Paralamas das artesanais…
Marcelo – Isso. A gente não lança muita coisa, mas tenta lançar coisas boas.

Cilmara – Para o ano virão algumas sazonais então. Não necessariamente as mesmas deste ano?
Marcelo – Está vindo a colaborativa que a gente fez com a Tupiniquim e a norueguesa Nogne Ø, que tá muito boa, uma Saison, a Ybá-Ia, com adição de uvaia. Com a St. Feuillien, lá da Bélgica, fizemos outra Saison, a Marguerite que, inclusive, homenageia a contribuição feminina para a história da cerveja. Isso tudo pra gente é um aprendizado porque a gente está querendo fazer a nossa própria Saison. Usamos esse conhecimento dos outros porque mais tarde a gente vai fazer a nossa. Talvez ela entre em linha, talvez ela seja uma sazonal como o próprio nome diz. O futuro vai dizer…

E aí continuamos nosso papo, mas adentramos outros assuntos que não têm nada a ver com a pauta desta entrevista. E, dessa maneira, pude conhecer mais demoradamente e entender porque Marcelo é um dos lideres do movimento da cerveja artesanal brasileira. Pude ver também como a experiência nos transforma em dinos, mas com inteligência e mobilidade a renovação está na virada da esquina. Longa vida a Colorado!

P.S.: No meio cervejeiro todos sabem que a Ambev está cercando as cervejarias de Ribeirão Preto. A gigante quer ter uma base nesta região que é rica em tradição e em fábricas importantes. O Lupulinas bebe e observa… ;)

 

Marcelo Carneiro & Colorado: um papo com o dono da cerveja do ursinho

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texto e edição: Cilmara Bedaque
fotos: Cilmara Bedaque e divulgação
transcrição: Luciana Moraes

Dia desses marquei um encontro com Marcelo Carneiro, dono da Cervejaria Colorado, para falarmos sobre ele, o começo da fábrica e os planos para 2015. O papo correu cariocamente amigável e solto como se nos conhecêssemos há muito tempo. Vamos saber um pouco da história de uma das maiores micro cervejarias do Brasil.

Marcelo – Eu queria comparar o que está acontecendo com a cerveja artesanal com o que aconteceu com a música, com o rock, há alguns anos atrás.
A música hoje em dia se financiou e virou um negócio. É uma coisa amorfa e não tem um espaço de contestação como tinha antigamente. Por outro lado, o mundo da cerveja artesanal está virando uma espécie de um rock engarrafado.

Cilmara – É engraçado você falar isso porque o Lupulinas era feito pela Vange e por mim e sempre nos atraiu, quando a gente começou a entrar nesse universo de cerveja artesanal, uma espécie de clima de ‘rock de garagem’ que a gente viveu nos anos 80. Sentimos de cara essa similaridade. Os “grandes”, os que continuaram alternativos…Tem um monte de coisas que a gente pode colocar como muito parecidas…

Marcelo – É verdade. É totalmente essa briga contra o mainstream, contra a mesmice. Com as vaciladas que os artistas também davam, antigamente.

Cilmara – Conta para o nosso leitor, que já deve reconhecer a Colorado nas prateleiras dos supermercados e dos armazéns especializados, como você teve a idéia de montar uma cervejaria e como foram os primeiros anos. A Colorado é de 1995, né?

Marcelo – Isso, 95. Vinte anos já! Eu nem sabia o que eu estava fazendo direito, na verdade. Quem botou a gente nessa onda foi o Cesáreo Melo Franco, esse meu amigo que fez a comparação há poucos dias no Facebook dos dois movimentos do rock e da cerveja e eu achei que era muito pertinente a história. Mas eu também não sabia que estava fazendo rock. Eu achei que estava fazendo uma coisa muito fácil, tomar cerveja… Fui para a Califórnia, eu me lembro da primeira Indian Pale Ale que eu tomei: a Blind Pig, Porco Cego. Achei o nome muito engraçado e essa cerveja até hoje existe. Fui lá e comecei em Ribeirão num modelo muito diferente do que estava sendo feito no Brasil. Na época, estavam abrindo várias cervejarias fazendo cerveja Pilsen, filtrada e não filtrada, ou cerveja Bock, não sei que e tal. Eu vim e trouxe todos aqueles sabores diferentes, influenciado pelo que estava acontecendo lá fora.

Cilmara – Na Califórnia principalmente.
Marcelo – Isso. Há 19 anos eu já tinha Indian Pale Ale, eu já tinha Red Ale, eu já tinha uma Stout, eu tinha uma California Steam… Eu tinha uns estilos totalmente esquisitos e usava às vezes uns lúpulos que hoje nem são tão esquisitos, mas na época eram desconhecidos por aqui. E Ribeirão Preto ainda era interior, sem informação, todo mundo achava aquilo muito esquisito, muito estranho. Tinha uma fábrica grande com uma tradição grande lá, que era a fabrica da Antártica, o orgulho municipal.

Cilmara – E você escolheu Ribeirão por quê?

Marcelo – Eu escolhi Ribeirão porque eu ia pra lá, meu pai tinha uma terrinha lá, eu passava minhas férias lá, eu gostava da vida do interior

Cilmara – Não foi nada que te levou da fama da cerveja lá, nada…

Marcelo – Eu era diferente, eu era um carioca lá, era novo, tinha vinte anos, nossa, eu agradava…

Cilmara – Carioca em Ribeirão (risos). No início a Colorado era uma empresa familiar também…

Marcelo – Totalmente, era eu e minhas irmãs

Cilmara – E aos poucos você se tornou o único dono…

Marcelo – Isso, porque eu vi que fiquei totalmente infectado com o vírus da cerveja, que não é a cerveja, é mais que a cerveja. É um produto muito forte a cerveja. Ela une os povos. Se você pensar que construíram as pirâmides pagando os funcionários com cerveja…

Cilmara – É uma das bebidas mais antigas da humanidade, está por trás de tudo.

Marcelo – Isso, ela é uma das mais antigas. Na guerra, nas revoluções, sempre tinha a ração de cerveja para os soldados.

Cilmara (se entusiasmando risos) – Na arte. O que seria do pintor sem cerveja!

Marcelo (rindo muito) – Tem pintores regados a cerveja! Tem Bruegel! A cerveja é uma coisa muito forte senão ela não estaria na história da humanidade há oito mil anos! E ela surgiu espontaneamente em vários lugares do mundo! E a gente tem uma pegada, só um olhar europeu, mas os índios faziam a sua cerveja, os chineses faziam cervejas, têm uma história só deles. Nós no Brasil temos uma história só nossa, os índios faziam cerveja de mandioca e, infelizmente, não deixaram vestígio escrito… Essas bebidas fermentadas estão junto da humanidade há muito tempo, alguma razão evolutiva tem para isso acontecer.

Cilmara – Quando você incorporou nos rótulos que estão agora no mercado os produtos nacionais, a mandioca, o mel, a rapadura, tudo que você usa nos seus rótulos fixos, você quis de certa maneira conseguir fazer uma cerveja brasileira?

Marcelo – Isso. Foi assim “bacana, até agora eu copiei, eu aprendi bastante, tal. Agora chega, vamos fazer o nosso.” Porque é a cara do Brasil, nós também somos um país de imigração, todos nós temos um pé na Europa, e a partir de certo momento, a gente decidiu ser brasileiro aqui. A Colorado decidiu “vamos fazer cerveja com o que a gente tem em volta”. Os EUA fizeram assim e a Europa fez assim também. Os belgas fazem cerveja com açúcar de beterraba porque lá tem beterraba, os alemães têm a lei de pureza porque lá tem muito malte e lúpulo. Os ingleses fazem a cerveja deles muito maltada porque o malte deles tem algumas características e a gente tem que fazer a nossa cerveja com a nossa cara. A partir deste momento, em cada produto que a gente faz, tem um produto brasileiro, uma matéria prima local.

Cilmara – Você falou em fazer uma cerveja com a nossa cara. A Colorado tem uma das maiores marcas do mercado. A programação visual é muito boa, aquele ursinho é um sucesso quando aparece nas feiras e festivais, todo mundo quer tirar uma foto com aquele ursinho, que é um ursão na verdade… Eu queria que você falasse um pouco disso, como foi o desenvolvimento da marca e os rótulos, quem fez etc.

Marcelo – Quem fez foi o Randy Mosher.
Cilmara – Que é um dos maiores designers de rotulo do mundo.
Marcelo – E que eu descobri por acaso na internet. Eu já tinha lido os livros dele e estava falando com ele na internet sem me tocar que ele era o Randy que eu lia. O que foi uma vergonha porque eu quis ensinar padre nosso ao vigário, tentando explicar o que era uma India Pale Ale para ele… Mas aí…
Cilmara – Você encomendou o desenvolvimento da marca?
Marcelo – Dos rótulos. Falei pra ele que tinha essa idéia de colocar as coisas brasileiras, ele me deu outras idéias. Ajudou no desenvolvimento da rapadura me perguntando: “por que você não usa aquele açúcar brasileiro?”

Cilmara – Aaaahhh, ele entrou até no desenvolvimento da cerveja?
Marcelo – Sim, foi fundamental. Ele falou “aquele açúcar brasileiro” e eu “pô, qual açúcar brasileiro?” “rap rap rap.. rapadura!” “rapadura, cara, porra, genial! é mesmo!” (risos) Hoje um dos orgulhos da Colorado é que a gente comprava rapadura de 30 em 30 kg e hoje compramos 1ton de rapadura da mesma família, do mercadão municipal. A gente não compra de uma grande indústria, a Colorado é super ligada nessas coisas. A Colorado ajuda também a sustentar um cinema, que é o Cineclube Cauim de Ribeirão Preto, um cinema de uma tela de 35m, que é um cinema que tem sessão de graça pra criança, quatro vezes por dia, pra rede municipal de escolas da região. Este é um lado desconhecido da Colorado, que a gente nem se jacta muito disso.

Cilmara – Mas faz parte dos mandamentos do que seria a cultura da cerveja artesanal, né? A valorização da cultura local, do produtor local, os princípios básicos mesmo desse movimento, porque é um movimento.

Marcelo – Exatamente. A gente faz parte desse movimento. O Cineclube Cauim já existia antes da gente. Deixar isso claro, o Cauim é uma organização que existe em Ribeirão Preto há 25 anos. Eles têm um bar na porta do cineclube, tem vários movimentos culturais que vão lá, do cinema brasileiro, geralmente tem várias estréias lá, e os diretores debatem com o público depois do filme assistido.

Cilmara – Vange e eu fomos à Dogfish Head, no estado americano de Delaware, e em volta, na cidade toda, eles promovem peça de teatro, cinema, feira, showzinho, gente famosa em um palquinho bem pequeninho dentro do bar. Um clima super maneiro assim, de cultura e produção local.

Marcelo – É por isso que a cerveja é o rock de hoje em dia, é por isso que tem que haver as novidades, a gente não pode deixar vulgarizar. A cerveja artesanal tem que ter essa função social.

Cilmara – Eu sei que a Colorado sempre apoiou as Acervas e os paneleiros. É essa idéia de apoio geral de toda a teoria que existe nesse movimento

Marcelo – Em novembro, durante o Mundial de La Bière, a gente tava lá no Rio, mas mandamos vários barris vazios pro evento que estava tendo na Bahia, dos cervejeiros caseiros, para serem cheios em outras cervejarias, para poder ter cerveja de micro no evento dos nanos. E agora a gente tá marcando no aniversário da Colorado fazer outro encontro de caseiros e micreiros cozinhando juntos.

Cilmara – Legal. Você falou que compra quantas toneladas de rapadura atualmente?
Marcelo – Uma tonelada.
Cilmara – Quantos litros você produz hoje e quais são os planos pra 2015 porque eu sei que tem planos de expansão da fábrica, aí na mesma pergunta, tudo junto, hoje a empresa não é mais familiar, você deu uma profissionalizada na empresa. Fala sobre tudo isso, Marcelo…

E Marcelo vai falar. No próximo post… Não perca.

(continua no próximo post)

 

Mensagem na Garrafa vol. 1

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Quem aprecia cervejas artesanais já reparou no capricho dos rótulos. Nós, Lupulinas, vamos além e somos apaixonadas também por alguns contra-rótulos e textos que acompanham as estampas, explicando a origem e a inspiração das cervejas que vamos beber. Alguns são engraçados, outros são curiosos e informativos e há também os que beiram o pedantismo. Tudo motivo para um sorriso, um assunto, uma distração à mesa.

Este post é apenas o primeiro de uma série falando sobre contra-rótulos que achamos interessantes. Para os próximos, aceitamos colaborações. É só mandar a foto e dizeres da cerveja para o email lupulinas@lupulinas.com.br

St. Rogue Red Ale – Dry Hopped (Rogue Brewery, Oregon, Estados Unidos)
“Fukutsuru (1992-2002) R.I.P.
Por trás de uma grande cerveja existe um mestre cervejeiro e por trás de um grande bife há um touro. Fukutsuru (Fuku para os íntimos) é este touro. Primeiro do ranking norte-americano no quesito marmoreio*, Fuku é um touro wagyu japonês que deixou uma imensa prole responsável pelo fornecimento da melhor carne Kobe dos EUA e que vai bem com a St Rogue Red.
Mais de 50.000 amostras do sêmen de Fuku estão congeladas para futuras inseminações. Em seus últimos dias de vida, deram a Fuku a chance de “socializar” com algumas vacas mais novas. Em vez disso, ele preferiu tirar uma soneca.
Nós dedicamos esta cerveja a Fuku – um desajustado (rogue) até o final.”

Wasatch Evolution Amber Ale (Utah Brewers Cooperative, Estados Unidos)
“Esta cerveja é parte do nosso protesto contra a tentativa da Assembléia Legislativa de Utah de obrigar o ensino do criacionismo nas escolas públicas. Acreditamos que Igreja e Estado devem permanecer separados, até mesmo em Utah. Esta amber ale apresenta um agradável início maltado, bem equilibrado com uma dose saudável de lúpulos Tettnanger. Foi engarrafada pela primeira vez em 2002 como cerveja não-oficial dos Jogos Olímpicos de Inverno.”

Paqui Brown (Cerveceria Tyris, Valencia, Espanha)
“Paquita Brown vive al limite. Sólo bebe cerveza sin filtrar, directa del fermentador. Paqui pasa lúpulo de contrabando, sólo las mejores cosechas. Esta botella contiene su receta favorita. Una brown ale, dulce, cremosa e intensa, monovarietal de Simcoe, sin tontérias. Paqui desfruta de cada cerveza como si fuera la última.”

X Black IPA / Hi5 (Cervejaria 2cabeças, RJ, Brasil)
“Sabe aquele dia que você quer receber uma porrada no paladar? Lembra daquelas cervejas sem graça que você conhece? Agora esqueça! Esta é uma cerveja escura e intensa, com doses cavalares de lúpulo americano e um toque de malte torrado que criam uma cerveja refrescante e única. NÃO É PARA OS FRACOS.”

Green Cow IPA (Seasons Craft Brewery, RS, Brasil)
“- de doce já basta a vida -
Arte e revolução em estado líquido. Uma American India Pale Ale feita com quantidades absurdas de lúpulo, produzida para quem gosta de amargor com frescor e sem frescura. Abrir em momentos onde tudo que você quer é fazer cara de “meu deus do céu, o que é isso!?”

Gonzo Imperial Porter (Flying Dog Brewery, Maryland, Estados Unidos)
“Certa vez Hunter S. Thompson disse “Quando a parada fica estranha, o estranho vira profissa”. Taí nossa versão profissa da Gonzo Imperial Porter. Envelhecida e maturada por três meses em barris de madeira de uísque, esta ale tem um sabor bem equilibrado e um exagero de personalidade. (…) Gente boa bebe cerveja boa.”

Tokyo (Brewdog Brewery, Escócia)
“Esta cerveja é inspirada no arcade Space Invaders, de 1980, sucesso na capital japonesa. A ironia do existencialismo, a paródia do ser e as contradições inerentes ao pós-modernismo sugeridas por esse game de ação foram cuidadosamente recriadas no conteúdo desta garrafa.

Biritis (Brassaria Ampolis, RJ, Brasil)
“Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, seria um dos maiores brasileiros vivos se não nos tivesse deixado para se tornar um dos maiores brasileiros da História. Toda essa importância nunca foi ‘devidamente’ reconhecida. Até agora. A Biritis é mais que uma cerveja, é uma homenagem e um presente da família do Mussum – que tem cerveja na veia – para os apreciadores de uma boa risada e uma bela cerveja.”

Maria Degolada (Cervejaria Anner, RS, Brasil)
“Esta cerveja faz uma homenagem ao local onde a cervejaria Anner teve origem: a vila Maria da Conceição, em Porto Alegre, sul do Brasil, conhecida pela lenda da Maria Degolada. Maria Francelina Trenes foi degolada por ciúmes em 12 de dezembro de 1899 pelo seu namorado, um policial militar. No local de sua morte foi colocada uma lápide, onde ao redor cresceu a vila da Maria Degolada, protetora dos que tem problemas com a polícia e considerada uma santa pela população local.
- Agradeço pelas graças alcançadas – ”